Ivan Lins exercita a genialidade, com a total cumplicidade do pianista Gilson Peranzzetta, em show com som ruim
Gilson Peranzzetta (à esquerda) e Ivan Lins apresentam o show ‘Cumplicidade’ no Teatro Rival Petrobras, no Rio de Janeiro (RJ) Marcelo Castello Branco / Di...
Gilson Peranzzetta (à esquerda) e Ivan Lins apresentam o show ‘Cumplicidade’ no Teatro Rival Petrobras, no Rio de Janeiro (RJ) Marcelo Castello Branco / Divulgação ♫ OPINIÃO SOBRE SHOW Título: Cumplicidade – 50 anos de parceria Artistas: Ivan Lins & Gilson Peranzzetta Data e local: 10 de dezembro de 2024 no Teatro Rival Petrobras (Rio de Janeiro, RJ) Cotação: ★ ★ ★ 1/2 ♪ “Como ser humilde se a gente é gênio?”, gracejou Ivan Lins, no palco do Teatro Rival Petrobras, aludindo à frase do gato Garfield (“É difícil ser humilde quando se é o melhor”) após cantar Começar de novo (Ivan Lins e Vitor Martins, 1979), balada feminista apresentada há 45 anos na voz de Simone. Quando falou “a gente”, o cantor, compositor e pianista carioca se referia ao parceiro de palco, discos e vida, o conterrâneo Gilson Peranzzetta, pianista, arranjador e compositor fundamental para a formatação da obra de Ivan a partir de 1974. Apresentado no Rio de Janeiro (RJ) na noite de terça-feira, 10 de novembro, o show Cumplicidade – 50 anos de parceria celebra as cinco décadas desta colaboração decisiva nas trajetórias de ambos os artistas. Em fina sintonia com Peranzzetta, Ivan Lins exercitou a genialidade – reverenciada por ninguém menos do que o maestro norte-americano Quincy Jones (1933 – 2024), responsável por popularizar a música do compositor no universo do jazz dos Estados Unidos a partir dos anos 1980 – em show que teve o brilho empanado pelo som ruim. Sem potência durante metade do show (houve alguma melhora do meio para o fim), o som do microfone de Ivan parecia som de ensaio, prejudicando a fruição pelo público de roteiro baseado no repertório do álbum Cumplicidade (2018), lançado pelos artistas há seis anos. Descontada a questão técnica, Ivan Lins (voz e piano elétrico) e Gilson Peranzzetta (piano acústico) se afinaram, se afagaram – Peranzzetta fez declaração de amor a Ivan que fez o cantor ficar com a voz embargada pela emoção antes de retribuir o elogio – e, entre falas e músicas, expuseram o companheirismo enfatizado no título do show. As duas primeiras músicas – Abre alas (Ivan Lins e Vitor Martins, 1974) e Somos todos iguais nesta noite (Ivan Lins e Vitor Martins, 1977) – já mostraram que o jazz está embutido no toque do piano de Peranzzetta. Várias músicas foram remodeladas em cena com passagens jazzísticas, mas sem prejuízo da arquitetura das melodias. E que melodias! A celebração do Brasil em Meu país (Ivan Lins e Vitor Martins, 1993) e a incursão terna pelo universo caipira em Olhos pra te ver (Ivan Lins e Gilson Peranzzetta, 2012) – doce e melódica balada que ganhou as vozes de Milton Nascimento e Chitãozinho & Xororó em gravação feita para o disco Outros cantos (2023) – reiteraram a vocação excepcional do compositor, dono de obra que levantou a voz contra a ditadura ao longo dos anos 1970 através das letras metafóricas e sagazes de Vitor Martins. Como Cumplicidade é disco e show focados na colaboração de Ivan com Peranzzetta, parcerias dos dois compositores encorparam o roteiro. Temporal (1978) caiu logo no início do show, seguida por Setembro (1980) e por Love dance (1988), música lançada em 1981 com o título de Lembrança e, sete anos depois, reapresentada como Love dance nos Estados Unidos com a letra em inglês de Paul Williams que propagou a música em escala planetária, ampliando a presença da obra de Ivan no exterior. A propósito, uma das músicas mais conhecidas do compositor fora do Brasil, Dinorah, Dinorah (Ivan Lins e Vitor Martins, 1977), reapareceu em número em que o jazz foi elevado à máxima potência no roteiro do show. Aos 79 anos, Ivan Lins cantou em tons outonais músicas como Vitoriosa (Ivan Lins e Vitor Martins, 1985), Lembra de mim (Ivan Lins e Vitor Martins, 1995) – apaixonada balada que iniciou o bis, arrematado com o samba-soul Madalena (Ivan Lins e Ronaldo Monteiro de Souza, 1970) – e Bandeira do Divino (Ivan Lins e Vitor Martins, 1978), tema composto com inspiração na Folia de Reis da cidade fluminense de Paraty (RJ), como revelou o falante Ivan ao público que lotou o Teatro Rival Petrobrás para atestar a real cumplicidade de dois artistas de trajetórias indissociáveis, irmanados na devoção a Tom Jobim (1927 – 1994). Por conta dos 30 anos da morte, Tom foi lembrado com o canto do samba Chega de saudade (Antonio Carlos Jobim e Vinicius de Moraes, 1958) em ritmo demasiadamente lento. Ivan Lins e Gilson Peranzzetta se afinaram com maior precisão quando revisitam músicas desses 50 anos de parceria entre cantor e arranjador. Gilson Peranzzetta (à esquerda) e Ivan Lins revivem músicas como ‘Temporal’ no show ‘Cumplicidade – 50 anos de parceria’ Marcelo Castello Branco / Divulgação