Edson Cordeiro dá voz a Zeca Baleiro entre a introspecção e o histrionismo
Capa do álbum ‘Ouve a minha voz [Cordeiro canta Baleiro]’, de Edson Cordeiro Arte de Fabrini Crisci ♫ OPINIÃO SOBRE DISCO Título: Ouve a minha voz [Cor...
Capa do álbum ‘Ouve a minha voz [Cordeiro canta Baleiro]’, de Edson Cordeiro Arte de Fabrini Crisci ♫ OPINIÃO SOBRE DISCO Título: Ouve a minha voz [Cordeiro canta Baleiro] Artista: Edson Cordeiro Cotação: ★ ★ ★ 1/2 ♪ Para além do alcance outrora inalcançável da voz de contratenor, o canto de Edson Cordeiro às vezes vem temperado com certo histrionismo e teatralidade. Tais características habilitam o intérprete paulista a dar voz ao cancioneiro de Zeca Baleiro, compositor maranhense dono de obra autoral pautada pela verve. Esse ponto de contato entre cantor e compositor justifica o álbum Ouve a minha voz [Cordeiro canta Baleiro], lançado ontem, 29 de novembro, pela gravadora de Baleiro, Saravá Discos, com capa que expõe arte surrealista de Fabrini Crisci. Com dez músicas de Baleiro, o álbum chega ao mundo um ano após a edição do single que apresentou em novembro de 2023 o Tango do Cordeiro (Zeca Baleiro), veículo para o cantor transitar em ambiente de cabaré. O título do álbum Ouve a minha voz [Cordeiro canta Baleiro] foi extraído de verso da música mais inspirada do repertório, O canto em nós, parceria inédita de Zeca Baleiro com Zé Renato apresentada por Cordeiro em setembro no show Cantor (2024) em registro minimalista de voz e piano (o de Paulo Braga) que valorizou a melodia de Zé Renato. No álbum, o registro de O canto em nós vem embalado com octeto de cordas orquestradas por Pedro Cunha, também responsável pelos synths e pelo piano. Com verso que adquire sentido político no atual momento do Brasil (“Perigo é calar o canto em nós”), a letra lírica exalta tanto a voz (apontada como “abrigo” do intérprete) quanto a canção. O canto em nós é o ponto mais alto de disco em que Cordeiro alterna climas de recital e de cabaré entre a introspecção e o histrionismo. O cantor está mais para cabaré quando cai no samba Eu te admirava mais (2023) – composto por Baleiro com Vinicius Cantuária após a edição do álbum conjunto dos artistas, Naus (2022) – dando ênfase aos versos que expõem a maquiagem do mundo em redes sociais em que todos escondem a dor da vida real para propagar falsa felicidade. O arranjo é calcado nas tramas das sete cordas dos violões de João Camarero e Swami Jr. Sucesso do primeiro álbum de Zeca Baleiro, Heavy metal do Senhor (1997) permite que Edson Cordeiro exercite o histrionismo vocal em gravação que embute citações de Messiah (Händel, 1741) e de Mercedez Benz (Janis Joplin, Michael McClure e Bob Neuwirth, 1971), sucesso de Janis Joplin (1943 – 1970) abordado pelo cantor no primeiro álbum, Edson Cordeiro (1992). Canção inédita feita para Cordeiro por Baleiro, em parceria com a irmã poeta Lúcia Santos, Sangro se escora no embate vocal grave-agudo de Cordeiro com Tetê Espíndola (cantora que guarda pássaros na garganta). O arranjo se situa entre evocações do tango e do flamenco no clima de cabaré em que Cordeiro geralmente se ambienta bem, como comprova o canto de Vogel saudade, tema de Baleiro com letra em alemão de Oliver Bieber, marido de Cordeiro. Os autores procuraram se inspirar nas óperas musicais do compositor alemão Kurt Weill (1900 – 1950). Pérola pescada no baú de inéditas de Baleiro, Sete vidas é faixa de tom introspectivo em que Cordeiro aciona a região aguda da voz de contratenor. Calcado nos toques minimalistas da guitarra de Baleiro e do piano de Adriano Magoo, o arranjo realça a delicadeza da canção. Do mesmo baú de Baleiro, surgem o samba de breque Camisa de listra – que tenta fazer graça com letra que cita Camisa listrada (Assis Valente, 1938) e que menciona o estilista Clodovil Hernandes (1937 – 2009) e a cantora Alcione, sem conseguir provocar o riso – e Lullaby, música composta em inglês há mais de 30 anos e cantada por Cordeiro em registro próximo de um blues suave. Da safra das líricas de Baleiro, a canção Quase nada (2000) – parceria do compositor com a poeta letrista Alice Ruiz – ganha as vozes de Almério e Cordeiro. O dueto até soa harmonioso, mas se ressente da comparação com o soberano registro original de Baleiro no álbum Líricas (2000). Formatado com produção musical de Alexandre Fontanetti e Zeca Baleiro, Ouve a minha voz [Cordeiro canta Baleiro] é o 14º álbum de Edson Cordeiro e sai seis anos após o anterior Bem na foto (2018). O disco tem lá alguns encantos e tem tudo para crescer no show, quando Edson Cordeiro cantar Zeca Baleiro ao vivo, no palco, em turnê com a qual o contratenor planeja percorrer o Brasil ao longo de 2025.